Segundo Milan Kundera,
romances em particular, e obras ficcionais em geral,
são "o terreno onde o julgamento moral é
suspenso". Em outras palavras, neles é possível,
ainda que por um breve instante, esquivar-se à
"irremovível prática humana de julgar
a todos, sem parar, sem compreender". Em sua estréia
literária, Nada mais foi dito nem perguntado, 2001,
o advogado Luís Francisco Carvalho Filho parece
ter decidido comprovar essa tese de uma vez por todas.
O resultado é um livro singular e surpreendente. A
intenção de "suspender o julgamento"
é tanto mais interessante quanto se leva em
conta que os treze textos de Nada mais foi dito
nem perguntado têm a ver com o cotidiano
do direito nos fóruns e delegacias. Carvalho
Filho usa armas curiosas. Ele não escreve contos,
mas esquetes que se desenrolam por meio de ágeis
diálogos, registrados com objetividade e sem
espaço para intervenções "autorais".
Além disso, a variedade de personagens e situações
exibidas não deixa espaço para estereótipos:
não estamos diante de um sistema legal previamente
concebido como corrupto ou justo. Espertamente, Carvalho
Filho também se concentra em procedimentos
como a audiência ou o interrogatório,
e jamais no momento dramático da sentença.
Ou seja, todas as situações registradas
por ele acabam em suspenso, e nunca numa decisão.
Para terminar, talvez se pudesse acrescentar uma última
volta ao parafuso. Pois num dos textos, Caveirinha,
é a própria capacidade da linguagem
de transmitir informações precisas que
é posta em questão, durante uma atrapalhada
audiência. Ou seja, passo a passo, o autor vai
deixando de lado tudo que é seguro e certo.
Com isso, seus esquetes são um arguto e divertido
retrato do universo legal brasileiro. Mas são
também algo mais: celebram o prazer e a liberdade
envolvidos nos atos de ler ou escrever ficção. Carlos
Graieb. Fonte: http://veja.abril.com.br/110401/veja_recomenda.html.
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